terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Vida à Bordo Numa Travessia

Numa travessia oceânica de cerca de 1700 mn como a que estamos fazendo desde Fortaleza até o Caribe, no veleiro Guga Buy, vivemos muitos dias sem avistar terra, sequer pisá-la. Poderia dizer que temos dois tipos de dia: os com mar e/ou vento próprios e os com mar grosso e/ou vento duro.

No primeiro caso, como foi a nossa perna da Ilha dos lençóis até as Iles du Salut, é agradável. De inicio estabelemos os turnos. No nosso caso com quatro tripulantes fazemos turnos de 2 horas, permitindo 6 horas de intervalo entre eles para descanso. O veleiro é ajustado na rota, as velas são dimensionadas e ajustadas conforme as condições e então o piloto automático (ou em alguns veleiros o leme de vento) é quem toca o barco. O responsável pelo turno cuida de verificar a navegação, ajustar velas e verificar nos horizontes ao redor do barco a existência de outras embarcações, redes de pesca ou qualquer outro perigo a navegação.

Normalmente pela manhã estão todos acordados, tomamos café, conversamos, lemos, em horários pré-estabelecidos o comandante fala com outros veleiros pelo SSB (ou HF, o rádio de longo alcance) e sai "almojantas" caprichados pelo Cmte. José Zanella que também é um bom chef. Depois do almoço, que ocorre pelas 14-15 horas e já vale pela janta, a turma se dispersa. Como se isto fosse possível num ambiente exíguo como o de um veleiro. É que geralmente só fica o responsável pelo turno, no caso Eu que faço o turno das 15-17h, e os outros fazem a siesta. Nos turnos da noite fica só o do turno que vai chamando o próximo. Dá para observar as estrelas, pensar na vida, meditar... Em caso de alguma anormalidade, como para rizar ou trocar velas com o aumento do vento, o responsável pelo turno pede ajuda.

Na segunda perna foi possível fazer pão e até bolo de chocolate

Num veleiro dois itens são muito valiosos, ainda mais numa travessia longa, a água e a energia. A energia fornecida pelas baterias é suprida por uma placa solar e o alternador do motor, por isto precisamos motorar umas 2 horas diárias, mesmo com o uso controlado. Saímos de Fortaleza com cerca de 400 l de água nos tanques (fora a água para beber) e não sabíamos quando teríamos oportunidade de reabastecimento. Então era economia de guerra. Para banho uma garrafa pet de 2 l, com a tampa furada para servir de chuveirinho, e mais 1 l para higiene pessoal por cabeça. A louça é lavada na torneira a pedal que puxa água salgada direto do mar e rapidamente enxaguada na doce, também sem pressurização nas travessias.

O Guga Buy, como já dito aqui é um projeto do australiano Bruce Farr de 40 pés ou 12 m, possui um salão interno com sofás e mesa, onde ficam também a cozinha e a mesa de navegação. Na proa o BWC e um armário para roupas de tempo e a cabine do comandante. Na popa outra cabine de casal, do Eduardo, e do lado da cozinha uma pequena cabine onde estou instalado, a minha toca. O Luiz dorme no salão onde abaixando-se a mesa monta-se uma cama de casal.

A " toca"

No segundo caso, como foi a perna de Fortaleza a Ilha dos Lençóis, fica tudo mais complicado. O barco aderna e balança muito e tudo é muito desconfortável, até fazer as necessidades fisiológicas básicas fica difícil. É outro clima a bordo. Só se pensa em chegar logo e, as vezes, até aquele "o que é que eu estou fazendo aqui?". Mas, velejador tem memória curta para as coisas ruins, basta umas "geladas" no primeiro porto para esquecer tudo e querer velejar de novo...

Nas ancoragens sempre rolam confraternizações




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